Azul-índio

O índio azul
destituía-se
de toda a sua passagem
pelo Meridiano.

E quanto mais quente,
mais arco-sol ele plantava
na superfície da consequência.

Antropofagia pescada

O velho pescador
derramava sua mão
sobre a rede.

Longo e bem tramado
era o leito oscilante,
que dançava no mar.

Em cada respiro
ele vigiava o micromundo
capturador dos peixes.

Tal como uma bailarina
em rodopios sôfregos
colhia as frutas do imenso.

As carnes brancas cintilavam
sob o sol das tardes vazias
morrendo aos pulos.

Quanto espaço possuía
cada universo daquela trama
em que escaparia o quântico?

Pouco espaço resistia
em prender todos os peixes
na molhada morte.

Uma vida diminuia.
A outra, humana,
engrandecia-se.

E o pôr-do-sol anunciava
na horda de luzes
o próximo futuro pescado...

Eu estou alguém

Eu estou alguém. Na beira da possibilidades, esquinando um futuro de vida.
Eu estou alguém entre o acaso e o palpável, na epiderme do meu campo tátil.
Renovada, reciclada, refeita. Meu rarefeito efêmero, outrora, pôs-se feito de raridades. Hoje é ocaso.
Eu estou alguém de fero instinto. Andarilha sobre o caminho que se faz a medida em que eu faço o caminho.
E caminho. Mais um pouco.

Sobre o menino que andava sobre a pele dele mesmo

Hoje meu dia amanheceu assim meio galático. Ontem à noite andei por entre chãos de buracos vazios e cheios de ar. Eu me contive para não morrer de medo, pois a cada passo eu tinha a sensação de que cairia em algum deles e seria o fim do meu fim. Ao mesmo tempo, essa leve insegurança tátil não me prendia ao solo. Eu me sentia tão livre quanto o ar, que dançava por entre meu corpo. E eu queria mais. Porque, diferentemente dos chãos habituais pelos quais já havia andado, aquele novo chão possuía algum macio recheado, confortante. Era como se andasse por cima de enormes colchões d'água, que oscilam em sutis movimentos a cada passo que se ousa alcançar.

Em minhas descobertas noturnas eu também pude sentir uma luz asfixiante. Nela continham partículas ultradimensionais cósmicas, que proporcionavam uma cegueira direta, dura. Foi essa luz que guiou meu todo durante o percurso. E os meus olhos... definitivamente meus olhos não eram mais os mesmos. Ou, ainda que fossem os mesmos olhos, minha visão era distinta e subia, a cada passo, os degraus mais altos de minha equívoca compreensão.

Eu caminhei durante toda a noite sob a fluidez embriagante do chão e da luz. Eu existia ao redor de tudo o que eu era. Enquanto eu estiver vivendo, eu sei que estarei vivo. 

Breve Exegese do Excesso

Eu, filha única de pais separados, vivi boa parte da minha infância e adolescência rodeada de adultos. Desde então, espalhei-me em meu próprio eu. Sozinha em meu universo, construído pelo meu espírito lúdico, criativo, imergi quase totalmente nesse mundo, oxigenando-me de certezas inatingíveis, sonhos improváveis e medos coloridos. E era em minha imensa mandala de ideias onde eu refugiava minha vida e meus sentimentos, escondendo-os do mundo real, para que não fossem roubados ou esmagados por alguma formiga.

Reconfortava-me a proteção daquele útero mandálico recheado de texturas, cores e padrões... Não tinha com o quê me preocupar, a não ser qual seria meu próximo sonho. Selecionava instintivamente quais seriam os próximos frames para compor meu universo.

Mas um dia, a vida real bateu em minha porta e eu a convidei para entrar. Foi aí que tudo o que eu acreditava até então desabaria em minha frente... Definitivamente, não sou mais quem um dia eu fui. Hoje me sinto mais feliz, mais equilibrada e muito mais determinada, focada em mim, em minha nova vida.

Sou (acho que sempre serei) uma pessoa cujo coração precisa de excessos. Sou da arte, da densa camada do Cosmos. Sou todas as cores. Gosto do complexo, da transcendência. Acredito que por isso mesmo, poucos suportem e compreendam essa minha natureza etérea e essa minha personalidade "difícil". Eu não quero a superfície. Quero mergulhar, buscar o novo, descobrir o impenetrável. É isso que enriquece minha vida e alimenta minha essência.

As cores que eu respiro das águas profundas do meu oceano se transformam em um querer latente de colorir o mundo todo.